Borderline, o filme

As dores da alma, o desespero de habitar um corpo e viver uma existência, que parecem não ter fim.



Assistir  o filme Borderline, mexeu com cada célula do meu corpo, é intenso, forte, impactante. Me fez sentir dor na alma, o peito ficou apertado, e durante uma hora e quarenta e cinco minutos, vislumbrei o que é sofrer TPB, ou Transtorno de Personalidade Bordeline.

Até agora estou com o peito apertado, e a respiração curta. Que dor, ferida aberta dentro do peito, que sangra e purga, o tempo todo, parece que não vai mais cicatrizar, a alma fica exposta, a mostra, e até o vento a machuca. Sensação de que a vida não deveria existir, por que todos riem enquanto dentro do peito de alguém há tanta dor, a impressão é que a dor do mundo está sendo carregada por um único ser humano.

O filme conta a história de Kiki, uma linda Canadense, prestes a completar 30 anos, está vivendo, ou melhor, padecendo o retorno de Saturno. A história de Kiki é, desde a mais tenra infância recheada de sofrimento e abandono, filha de uma mãe com sérios problemas de depressão, e uma avó, com problemas de alcoolismo e também uma dor profunda por ter perdido duas bebês afogadas. Uma história de mulheres sofridas, amarguradas, mas que lutam com toda a sua capacidade, e fazem o melhor de si, para apoiar e cuidar da pequena Kiki. Que a despeito do esforço absurdo que sua mãe faz para cuidar dela, vive no abandono, cresce a mercê da crueldade das outras crianças da escola.

E como não poderia deixar de ser, com um biografia dessas, vive uma vida solitária, se entregando para a bebida e o sexo, de forma compulsiva, obsessiva e dependente do carinho e da aprovação do outro. Mesmo quando esse outro a maltrata. Na verdade, a impressão que tive, é que pessoas com esse transtorno, precisam se sentir maltratadas dentro dos relacionamentos, precisam sentir que não tem valor, pois elas mesmas não creem que são dignas de serem amadas, o sexo, é algo que satisfaz o físico, porém, a fome é de amor, a falta é de atenção e cuidado, mas seus sentimentos estão tão perturbados, que pensam que o sexo as irá nutrir.

Não sei dizer se foi propositalmente mas Kiki, a personagem do filme está vivendo o retorno de Saturno. Todos os planetas visitam o mesmo ponto que estiveram quando nascemos, no entanto, o retorno de Saturno, carrega uma aura pesada, é como se ao retornar para o ponto onde estava quando nascemos, um juiz muito bravo viesse ter conosco uma conversa, como se fôssemos a juri popular, por todos os atos que cometemos e até pelos que não cometemos, nesse momento, tudo pode ser usado contra nós, inclusive aquilo que pensávamos fosse nos favorecer.

Kiki vem há tempos dando volta com um livro que pretende escrever, mas nunca saiu do primeiro capítulo, quando Saturno retorna, a pressão e a dor que habitam desde sempre sua alma, se mostram claramente, uma sucessão de fatos desagradáveis a faz tomar algumas atitudes, revisitar o passado, e assumir algumas responsabilidades. E ao fazer isso, Saturno que é um juiz correto, age dando-lhe maturidade para enfrentar seus medos. Não escreverei mais, pois ao invés de ser uma resenha, esse artigo se tornará um spoiler.

Todos deveriam assistir esse filme, para que nunca mais uma pessoa com algum problema psiquiátrico fosse tratada como preguiçosa, fresca, manhosa, medrosa. Os problemas psicológicos são tão ou mais importantes que os físicos, que tratamos com quimioterapia e aspirina.

Kiki, sua mãe, sua avó e os ditos esquisitos, são o retrato de uma sociedade que joga a "sujeira" debaixo do tapete, são o retrato de uma sociedade que pretende atingir a perfeição, mas  não se propõe a curar nada, pelo contrário, nem somos capazes de assumir a existência de que doenças psiquiátricas gravíssimas existem.

Ninguém tem vergonha de falar que tem um parente com Alzheimer, mas ter depressão ou síndrome do pânico é algo que não pode ser mencionado, ir ao psiquiatra, ainda hoje, é coisa de louco. E assim vamos perdendo pessoas que amamos e que poderiam ser o nosso maior bem, e assim, essas pessoas vão se perdendo, de si e de nós.

A pouco menos de um mês, dois casos de pessoas famosas fizeram com que o tema suicídio fosse discutido novamente, mas a maioria das pessoas não é capaz de se colocar no lugar do outro, e não saem de sua zona de conforto pra nada, e como sempre o suicida é taxado de covarde. Covarde somos nós, que nos escondemos por trás da nossa máscara de perfeição, e rejeitamos as pessoas que são mais sensíveis que nós, que sentem com mais intensidade e profundidade que nós.


Comentários

  1. Muito bom! ao meu ver as pessoas com estes ditos transtornos, deveriam ser tratados com mais respeito e carinho, deveriamos aceitá-las como são e nao rotulá-las, É a sua forma de perceber a vida, nem certa nem errada, a forma delas. Aliás... todos nós deveriamos nos ajudar... quem não tem algum ''transtorno'? bj, parabens pelo artigo.

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  2. Pois é, Monica, em tempos de Sol em Virgem, a pergunta quem não tem algum transtorno ressoa e ecoa, e devemos responder internamente! Bjs e obrigada por me ler!

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